Mangas Undergrounds #4 – Narutaru

Narutaru (ou Shadow Star em inglês) é um mangá completo em 12 volumes, publicado em 1998 e terminado em 2003 na revista Afternoon, de autoria de Mohiro Kitoh, mesmo autor de Bokurano.

O mangá começa nos apresentando à animada e alegre personagem principal Shina, uma menina feliz com a vida, amiga de todos e que cuida do seu pai. Tudo resolve mudar quando a garota extrovertida, de férias na casa de seus avós, encontra no fundo do mar um bicho esquisito com forma de estrela. Shina faz amizade com o monstro, que demonstra ter a habilidade de se transformar em um skate voador, apelida ele de Hoshimaru e o leva pra cidade, disfarçado-o como uma mochila bem bizarra.

Mais tarde a garota descobre o óbvio para que o roteiro pudesse continuar, outras crianças também possuem monstros. O problema é que nem todos pretendem usar seus novos poderes de forma tão ingênua e feliz quanto ela. Em meio à conspirações governamentais, questões existenciais, incríveis batalhas e até um pouco de terror psicológico, iremos aprender que, como em todas as obras do Kitoh, nada nunca é o que parece.

Narutaru é uma obra focada em personagens, artifício que faz com que os mesmos sejam explorados de forma primorosa, mas que combinado com a escolha de deixar o leitor alheio aos acontecimentos do grande enredo, pode deixar as coisas um pouco confusas demais para alguns. A personagem principal, Shina, é introduzida aos acontecimentos deste universo quando muitos dos plots da história já estão pela metade e mesmo quando ela e o leitor começam a entender o que são os monstros, ficamos totalmente alheios às ações e objetivos dos personagem secundários. Mesmo no final ficam grandes dúvidas sobre o que algumas pessoas queriam no meio de tudo aquilo. Então é válido dizer que sim, é confuso, não uma confusão necessariamente ruim, mas essa é uma daquelas obras que você vai amar ou odiar por completo.

De qualquer jeito, apesar dos poucos esclarecimentos de um um contexto geral, um dos objetivos do autor fica claro desde o começo: a desconstrução. Temos escutado esse termo bastante no meio animístico desde Madoka, às vezes de forma até um pouco leviana, mas acredito que ele cabe perfeitamente na maioria das obras de Kitoh e isso inclui Narutaru. Durante o mangá, não somente o gênero de “Crianças encontram bichos pra lutar” é subvertido por completo, mas temos também a desconstrução de vários arquétipos e personagens clichê da mídia do mangá como um todo.

São crianças testando e questionando a própria inocência das crianças, monstros-de-estimação usados pra guerra e meninas fofas realizando atos sanguinários. Não nego que talvez seja um pouco abrangente demais e acabe transmitindo um ar um pouco experimental. A obra certamente testa muitos aspectos que mais tarde seriam melhorados e usados pelo autor em sua obra máxima, Bokurano, mas sem dúvida este mangá é genial. Questionamentos e provocações sobre a sociedade e a vida que fogem de qualquer padrão são constantemente colocados em cena, são visões tão instigantes e que proporcionam tantas análises e interpretações (das mais profundas às mais rasas) que você provavelmente nunca mais verá algo assim de novo. Gostando ou não, Narutaru é certamente único.

Apesar do motor da história ser um um hâmster-mutante-invisivel (metaforicamente falando), onde o mangá realmente brilha, que é onde ele realmente quer brilhar, é nos personagens. Assim como em Bokurano, não há praticamente nenhum personagem raso. Em Narutaru ainda temos um ou outro personagem que servem somente de apoio para outros, mas mesmo assim, os secundários que são explorados, são desenvolvidos de forma a ganhar profundidade, background e motivos próprios dentro de todo o contexto.

A começar pela personagem principal, sem passar spoilers nem nada, mas o desenvolvimento da Shina é algo tão bem trabalhado, e mesmo sem expor tanto seus conflitos internos, a menina passa dessa garotinha clichê, feliz e heroica de mangá para uma personagem com ideais, lamentações e que em nada parece com o seu “eu” do primeiro capítulo, isso tudo sem nunca parecer forçado.

Outros personagens secundários interessantes são introduzidos à trama aos poucos, principalmente nos 6/7 primeiros volumes, que seguem uma estrutura muito fechada em arcos, ou seja, em cada capítulo é desenvolvido e encerrado um personagem, de forma quase episódica. Temos, por exemplo, a Hiroko Kaizuka, uma “menina bonitinha”, mas que sofre constantes ataques de terror psicológico, seja por lado da escola onde sofre bullying, seja por lado de sua família que a obriga a tirar notas excelentes, uma situação comum nos dias de hoje, mas que combinada com os elementos da história resulta em um desenvolvimento primoroso.

Na arte, o ponto negativo está claramente no design dos personagens, talvez numa tentativa de dar um realismo à história, o autor resolveu não dar a vários personagens recorrentes alguma característica marcante (as bochechas de Naruto, a franja do Hikaru, o chapéu do Luffy etc), por isso, várias vezes você vai ficar se perguntando “Quem era esse cara mesmo?”. Fator que, infelizmente, só confunde ainda mais a já confusa obra (de novo, é oito ou oitenta, pegar ou largar).

Pra compensar, as cenas de ação e os designs dos monstros são lindos! O interessante é que aqui os monstros não seguem nenhum padrão pré-estabelecido, são só manifestações de pura criatividade liberada do Kitoh, e quem leu Bokurano sabe: esse é um cara que consegue ser criativo.

Sobre as cenas de ação temos algumas cenas de sangue puro, é violência gráfica mesmo, mutilamento, ossos quebrados, estupro… Mas em muitas partes o autor resolve não mostrar a violência e somente descreve a cena. É interessante, porque isso faz com que o clima de terror seja muito mais intenso do que nas partes gráficas. Temos uma cena por exemplo, em que um personagem é estuprado e mutilado, só que, ao invés de mostrar isso graficamente, o autor resolve só mostrar as expressões do personagem e os movimentos do braço com a faca na mão do estuprador, é aterrorizante porque o próprio leitor cria as cenas em sua mente, da forma mais pessoal e histérica possível.

Enfim, é um tipo de recurso comum no cinema, afinal de contas, quanto menos você sabe sobre o monstro, mais aterrorizante ele é, mas que nunca vi sendo usado dessa forma em mangás, vale a leitura até mesmo só por este aspecto.

Para encerrar, reafirmo aquilo que já disse: gostando ou não, Narutaru é, sem sombra de dúvida, uma obra única. Se você tomou um mínimo interesse lendo este texto, dê uma chance, você irá amar ou odiar, mas irá valer a pena, eu por exemplo amei e é por isso que…

Eu recomendo: Narutaru.

Narutaru (ou Shadow Star em inglês) é um mangá completo […]

11 thoughts on “Mangas Undergrounds #4 – Narutaru”

  1. Não sei se foi impressão minha, mas senti como se Bokurano fosse uma evoluçaõ Narutaru, acho que fiquei com mais vontade de ler Bokurano kkkk, enfim, ótimo post, muito bom ver mangás diferentes bons, sempre acabo comentando as mesmas coisas nos posts de mangás undergrounds ¬¬
    hauihauiha, continue assim, pra mim tá ótimo :D

  2. Eu pretendo ler todas as obras do Mohiro Kito, todas elas me dão aquela sensação de drama, que é uma bela qualidade das obras que li dele (Bokurano, Zansho e Hallucination from the Womb). Esse parece ser um mangá ótimo, no nível das outras obras dele, obrigado pela recomendação! o/

  3. Depois de ler esse texto fiquei morrendo de vontade de ler esse título. Com certeza irei conferir.
    Só queria deixar uma sugestão para uma coluna futura. Dê uma olhada no mangá chamado franken fran, vale muito a pena.

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