O Mito dos Dois “Dragon Ball”

Qual é o melhor, Dragon Ball ou Dragon Ball Z?

Já ouviu essa frase, não? Por essa lógica, o manga de 42 volumes escrito e desenhado por Akira Toriyama seria na verdade dois títulos-irmãos que compartilham um nome geral, mas que precisam de identidade própria para explicitar as diferenças que levam ao tratamento distinto existente entre as fases supracitadas.

Assim teríamos Dragon Ball, manga de aventura estrelando o jovem Goku, que com seus parceiros Bulma, Yamcha e outros cruzaram parte do mundo aonde se passa a história procurando pelas sete esferas mágicas que juntas invocariam um poderoso dragão que realiza um único desejo; e Dragon Ball Z, manga de ação, porrada, battle shounen no qual este mesmo Goku, agora mais velho, descobre que é um extraterrestre e envolve-se em batalhas contra os seres mais poderosos do universo – tudo regado a muita arte marcial e sangue.

Claro que existem certas diferenças que exageradas tornam o relato acima algo verossímil, mas acreditar que o dito realmente corresponde a realidade significa simplesmente ignorar que temos aqui simplesmente um manga que, capítulo a capítulo, volume a volume, foi sendo escrito continuamente ao longo de onze anos por um autor sem muito planejamento a longo prazo e que foi ao longo de sua história de tremendo sucesso simplesmente sendo alterado [claro, sempre com uma maestria tal que o resultado final tem bem menos contradições do que deveria-se supor] a torto e a direito para adaptar as necessidades deste, da Shounen JUMP aonde era publicado, de seu público.

E é assim que este lentamente vai perdendo o caráter de aventura com toques cômicos, de busca pelas sete esferas do dragão para primeiramente termos o surgimento dos torneios de artes marciais [Tenkaichi Budoukai] na forma definitiva que seria um dos diversos elementos copiados a exaustão por quem veio depois de Toriyama e depois para termos passo-a-passo a escalada na sensação de perigo e urgência imposta a nossos herois.

Mesmo tendo o exemplo de Upa, como pai Bora é assassinado por Tao Pai Pai ainda na saga Red Ribbon – o que faz o pequeno índio unir-se a Goku por um pequeno período de tempo -, a pequena grande virada no feeling acontece quando após o final do vigésimo segundo torneio [o segundo que aparece durante a série] Kuririn é assassinado por um servo do terrível Picollo Daimaou.

Em uma época no qual o uso das esferas do dragão para salvar vidas ainda estava dentro dos limites da suspensão de descrença [afinal, somente quando surge Namekusei e suas próprias – e ainda mais poderosas – esferas é que as regras realmente são jogadas para o alto neste quesito] finalmente aparece o primeiro vilão poderoso o suficiente para fazer o objetivo de conquistar o mundo ser levado a sério. E será a duras penas que Goku, com somente uma mão ainda boa, vencerá o vilão.

Mas quem diria que depois de uma saga épica destas Picollo ainda teria forças para botar um ovo contendo seu filho, descendente, reencarnação [que é o Picollo “Júnior” que conhecemos, o que acaba virando um dos melhores amigos de Goku]? E no vigésimo terceiro torneio de artes marciais uma luta de proporções ainda maiores, aonde a ilha aonde este se passa acaba sendo completamente arruinada, decidirá quem se o mundo será – novamente – salvo. Ou não. E sim, estamos ainda na fase do Goku “pequeno”.

Mesmo se pensarmos na fase denominada Z, o clima mais sério e principalmente intenso dela é quebrado em diversos momentos – sendo o mais marcante deles a participação de Yajirobe na Saga dos Saiyajin. Mas mesmo muito depois, na séria saga de Cell, Tenshinhan acaba surpreendendo a muitos com uma demonstração de poder e principalmente coragem que até pode ser colocada na lista de grandes momentos de toda a longa saga que é Dragon Ball.

Sim, Dragon Ball foi – como dito e repetido acima – seguindo em curso fluido, natural e deveras impressionante de aumento de escala, tanto na seriedade quanto no alcance das decisões que Goku teve que tomar ao longo da série; mas nunca traindo-se, perdendo o feeling tão característico ou mesmo tendo uma virada abrupta de ritmo. Pelo menos o manga de Akira Toriyama.

Como todos sabemos, Dragon Ball Z existe oficialmente no Japão como uma divisão da série de animação, contendo 291 episódios que contam desde a chegada de Raditz na Terra até o momento que Goku parte com Uub rumo a eternidade, a um novo treinamento e quem sabe novas aventuras. Aliás, de onde surgiu esse nome?

Segundo uma entrevista de Akira Toriyama ao livro lançado pela Conrad no Brasil como “Enciclopédia Dragon Ball Z – A lenda de Son Goku” este afirma que

O “Z” não é a última letra do alfabeto? Na época, eu estava tão louco para terminar a série que pus o “Z” no título com o significado de “já chega, tá?”

Alguns podem levar isto a sério, mas é bem possível que seja mais uma brincadeira – e ao nos lembramos que Z está presente em nomes de animes desde Mazinger Z até sim, a continuação direta de Gundam denominada Z[eta] Gundam podemos sim estarmos apenas diante de uma simples ideia para nomear-se uma nova fase das aventuras de Goku.

E é no instável Dragon Ball Z que o tom do manga é elevado, principalmente graças a excelente trilha sonora de Shunsuke Kikuchi e também a direção de Daisuke Nishio, voltada a um público ainda maior que o do manga [afinal, a média de audiência de Dragon Ball era de 20%], a algo mais dramático que o do manga – como pode ser visto claramente na cena abaixo:


Claro que funciona, mas em um anime feito por literalmente centenas de mãos acaba este, sem dúvida um clássico, tendo uma coesão bem discutível, a ponto de já termos uma versão enxuta feita pela própria Toei Animation, o discutível Dragon Ball Kai – que por razões mercadológicas já começa na parte Z.

Mesmo assim, o melhor jeito de se assistir – e principalmente ler – Dragon Ball ainda é do começo ao final; o universo de Toriyama foi pensado assim, e você estará curtindo um dos pilares da animação japonesa construído a base de muita amizade, superação e vitória – sim, como todo battle shounen. Dragon Ball é único – e também, apesar da longa e complicada história, somente um.

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8 thoughts on “O Mito dos Dois “Dragon Ball””

  1. O mesmo pode se dizer de Naruto não? No começo um battle shounen comum, com os torneios e testes variados, e numa fase “Shippuden” se transforma em Battle Shounen.

  2. Bem, acho que a dita “divisão” acontece não só pela “mudança de estilos” e sim, por outros fatores, como a inversão de pilares, na “fase Dragon Ball” temos uma historia sustentada pela mitologia chinesa, com elementos de ficção cientifica, na “fase Dragon Ball Z”, temos uma inversão disso, a historia passa a se sustentar nos elementos de ficção cientifica (ênfase no “elementos” porque Dragon Ball não pode ser chamado de ficção cientifica) e ter alguns poucos elementos de construção de mundo usando a mitologia chinesa e o “mágico”(dentre esses elementos, coisas “herdadas” e alguns elementos “novos”).

    Essa inversão, na minha opinião, é muito mais “impactante” que a conhecida “troca de gêneros”, pois isso sim, acontece de “uma hora pra outra”.

  3. A mudança de valores era inevitável pois ao logo do tempo o conteúdo dos mangás da jump vão se desgastando, e como já há uma base de fãs se torna uma opção lógica mudar o padrão de uma história que criar outra. Pelo menos ele fez isso de uma forma bem suave em sua maior parte dando linearidade a história, que até chego achego a achar muito bobo esse assunto que se da pela grande gama de pessoas que assistiram dragon ball z antes de verem a fase clássica de dragon ball.

  4. Concordo com o @Rubnox.
    O problema de Dragon Ball Z, e o que leva tantas pessoas a fazer tal divisão ou mesmo considerar a fase criança melhor que sua sucessora (eu inclusive), não foi apenas o fato de ter deixado de ser uma série de aventura para se tornar um battle shounen, mas ter desvirtuado toda a magia e mitologia sobre a qual havia se desenvolvido. O próprio Toriyama declarou em um entrevista que não tinha em mente essa ideia de alienígenas.
    Por mais que essa mudança de contexto tenha se encaixado de forma até razoável dentro da trama(?) como um todo, a série perdeu muito daquele encanto que havia me conquistado quando eu ainda assistia a ela pela primeira vez, no longínquo ano de 1996.

  5. Se um autor de mangá japonês resolvesse criar uma série sobre otakus brasileiros e os efeitos da cultura pop japonesa no Brasil (com a ajuda de especialistas e fãs brasileiros), o que iria aparecer na obra?
    Seria um panorama do fandom tupiniquim, englobando tudo: fanzineiros, fanfiqueiros, cosplayers, fansubbers, scanlators, sites, portais, blogs e páginas de redes sociais brasileiras de animes e mangás, convenções e eventos relacionados a animes e mangás, etc. Iria também abordar os problemas, as dificuldades, as rivalidades, as inimizades, as desavenças, as polêmicas e as controvérsias relacionados aos animes, mangás e games e os seus fãs.
    Seria uma visão crítica e mordaz das mazelas das emissoras de TV aberta e paga, das distribuidoras de filmes e vídeos e de tudo o que caracteriza o Brasil em relação aos animes.
    Desnudaria o falso moralismo dos donos da mídia local, da hipócrita e farisaica sociedade brasileira (cada vez mais sodomizada pelos BBBs, pagodes, funks, sertanejos, novelas e outras drogas que intoxicam a TV brasileira e por conta disso cada vez mais à beira do abismo), dos políticos oportunistas que enganam os ingênuos com seus discursos moralistas, enquanto roubam mais e mais dinheiro do povo (como esses que aparecem agora envolvidos em escândalos) e que são capazes até de apunhalar pelas costas a democracia brasileira e a Constituição do país, dos pseudopedagogos, pseudoeducadores e ONGs de proteção à infância e suas acusações sem sentido contra os animes, dos fundamentalistas religiosos que querem impor ao país sua visão retrógrada e antidemocrática em relação aos meios de comunicação e à indústria do entretenimento (enquanto sugam mais e mais dinheiro de seus seguidores), enfim, todos esses e outros mais que contribuem para o malogro dos animes no Brasil nessas últimas duas décadas.
    Também mostraria o que acontece nos eventos e convenções de animes, páginas de redes sociais, nos fóruns, blogs, sites, salas de bate-papo relacionados aos animes e mangás (e ao fandom criado por eles).
    Uma série de mangá que se propusesse a mostrar tudo isso seria tão interessante quanto impactante, tanto para os leitores brasileiros quanto para os leitores japoneses, com repercussões em ambos os países. Quem sabe, poderia até mesmo virar anime para a TV, que seria visto não só nos dois países, como também em todo o mundo. Assunto para essa série não faltaria, com certeza.

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